Por Que o Burnout Afeta Mais as Mulheres?

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O esgotamento profissional tem atingido as mulheres de forma desproporcional — e isso não é coincidência. Pesquisas apontam que o burnout feminino está diretamente ligado a vieses de gênero, falta de reconhecimento e suporte no ambiente de trabalho, além da sobrecarga com tarefas de cuidado dentro e fora de casa.

Em 2024, o Brasil registrou um número recorde de afastamentos por questões de saúde mental, e as mulheres foram as mais afetadas. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, elas representaram 63,8% das 472 mil licenças concedidas por transtornos mentais no ano.

Há anos, estudos mostram que as mulheres relatam níveis mais altos de burnout do que os homens — uma disparidade que só aumentou após a pandemia. Em uma pesquisa global com 5 mil mulheres, quase uma em cada quatro afirmou estar esgotada, de acordo com o relatório Women @ Work 2024, da consultoria Deloitte.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define burnout como um estado de exaustão física e mental causado por estresse crônico no ambiente corporativo. Esse quadro se manifesta como cansaço extremo, queda no desempenho e distanciamento do trabalho.

A Carga Invisível que Pesa Sobre as Mulheres

Um dos fatores mais apontados para os altos índices de burnout entre mulheres é a chamada “dupla jornada”: além do emprego formal, elas ainda são, em sua maioria, as principais responsáveis pelo cuidado com filhos, idosos e tarefas domésticas.

Dados do Institute for Women’s Policy Research, de 2020, mostram que mulheres em tempo integral realizam 22% mais trabalho doméstico e de cuidado não remunerado do que homens na mesma situação. E isso não é tudo.

Mesmo no ambiente profissional, as mulheres enfrentam barreiras invisíveis que afetam sua saúde mental — os chamados vieses de gênero.

Como os Vieses de Gênero Agravam o Burnout nas Mulheres

1. O esforço extra feminino é menos reconhecido

A cultura do excesso de trabalho é vista como sinônimo de mérito e comprometimento. Mas, na prática, os benefícios dessa dedicação não são distribuídos igualmente entre homens e mulheres.

Um estudo de 2024 da Social Psychology Quarterly analisou como 230 profissionais avaliaram dois funcionários com desempenho idêntico, mas com diferentes cargas horárias (40h e 60h semanais). O trabalhador que fazia mais horas foi recompensado em 89% dos casos — porém, quando a funcionária era mulher, ela recebia menos reconhecimento do que um homem nas mesmas condições.

Além disso, enquanto o excesso de trabalho dos homens foi associado a maior comprometimento, o das mulheres foi erroneamente ligado à baixa competência — como se elas precisassem de mais tempo para fazer o mesmo.

A professora Christin Munsch, da Universidade de Connecticut, uma das autoras do estudo, resume:

“Nunca vamos fechar a lacuna de gênero se continuarmos avaliando homens e mulheres de forma diferente pelo mesmo comportamento.”

O resultado? Mulheres trabalhando mais, sendo menos reconhecidas — o cenário ideal para o burnout.

2. A eficiência feminina é desvalorizada

Outro dado preocupante do estudo foi a forma como a eficiência é percebida. Mesmo quando uma mulher entrega o mesmo resultado que um homem, mas em menos tempo, ela tende a ser preterida.

Profissionais que cumpriam 40 horas semanais com o mesmo desempenho foram vistos como mais eficientes, mas, paradoxalmente, não foram os mais recompensados. Os avaliadores ainda preferiam os que “aparentavam trabalhar mais”, mesmo sem entregar mais.

Isso afeta especialmente as mulheres, que, por conta da carga de cuidado, muitas vezes precisam cumprir jornadas mais curtas — embora sejam igualmente produtivas.

3. A fadiga feminina é subestimada

Um estudo publicado em 2024 na revista Sex Roles mostrou que a exaustão das mulheres é frequentemente ignorada. 

Observadores avaliaram interações entre homens e mulheres e classificaram quem parecia mais cansado. O resultado: apesar de as mulheres relatarem níveis muito maiores de fadiga, foram percebidas como menos exaustas que os homens.

Essa distorção na percepção leva à negligência do cansaço feminino e contribui para a sobrecarga: as mulheres se sentem pressionadas a “dar conta de tudo” sem reclamar, o que as torna menos propensas a pedir ajuda, tirar licenças ou buscar apoio.

“A experiência de ter sua fadiga constantemente subestimada pode levar as mulheres a acreditar que precisam apenas ‘aguentar firme’”, explica a pesquisadora Morgan Stosic.

O Que as Empresas Podem Fazer

As organizações têm um papel fundamental na reversão desse cenário.

“Falar de burnout não pode ser apenas sobre autocuidado. As empresas também precisam assumir sua responsabilidade pela saúde mental dos colaboradores”, diz Darria Long Gillespie, coautora do estudo The Burnout Study in Women, da consultoria Egon Zehnder.

Ações práticas para mudar esse quadro:

  • Reduzir o estigma sobre saúde mental no ambiente de trabalho.
  • Revisar critérios de avaliação de desempenho, focando em resultados e não apenas em horas trabalhadas.
  • Valorizar a eficiência, independentemente do gênero.
  • Oferecer flexibilidade real, como horários adaptáveis e possibilidade de trabalho remoto.
  • Incentivar o uso de folgas, férias e licenças médicas, sem punição velada.
  • Evitar sobrecarga fora do expediente, como e-mails após o horário ou reuniões fora do expediente.

De acordo com o State of Workplace Empathy 2024, da plataforma Businessolver, 89% dos profissionais consideram horários flexíveis essenciais para o bem-estar no trabalho — e 84% valorizam opções de trabalho remoto.

Se as empresas quiserem manter seus talentos e promover um ambiente mais saudável e produtivo, é urgente reconhecer e corrigir os fatores que alimentam o burnout feminino.

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