A desigualdade de gênero é uma questão persistente no Japão, e a indústria do saquê é um retrato nítido dessa realidade: entre milhares de mestres produtores, apenas cerca de 20 são mulheres. Mas isso está começando a mudar — e com grande impacto.
Miho Imada é uma dessas exceções que estão moldando um novo cenário. Ela é proprietária e mestre cervejeira da Imada Brewery, em Hiroshima, uma empresa familiar fundada em 1868.
Embora tenha nascido nesse ambiente, Miho inicialmente seguiu outro caminho: estudou em Tóquio e se dedicou ao teatro tradicional japonês Nô. No entanto, com a produção de saquê em declínio, ela decidiu voltar à cidade natal aos 33 anos para assumir os negócios da família.
Começou como aprendiz do mestre cervejeiro residente em 1994 e o sucedeu no cargo em 2000. Em 2018, assumiu também a diretoria administrativa, tornando-se a principal responsável pela empresa. Desde então, seus saquês vêm conquistando reconhecimento dentro e fora do Japão, com prêmios como o Japan Sake Awards (2016), o International Wine Challenge (2017, Reino Unido) e o Kura Master (2017, França).
Seu sucesso é impulsionado por uma mentalidade inovadora. Em vez de seguir a tradição de usar o arroz mais popular para produção de saquê, o yamadanishiki, Miho decidiu resgatar uma variedade local quase extinta: o hattanso. Apesar das dificuldades de cultivo — a planta é alta, sensível a tufões e exige cuidados extras — o resultado é um saquê com aroma delicado, notas de maçã e cítricos, e um final rico em umami. “É essencial expressar as raízes da nossa região para alcançar excelência”, afirma.
Graças a parcerias com agricultores que acreditam no potencial do hattanso, ela tem conseguido manter essa produção desafiadora. “Essa jornada nos conecta. A complexidade do arroz nos une e torna nosso saquê ainda melhor”, diz.
Sobre o fato de ser mulher em um setor tradicionalmente masculino, Miho diz que nunca sentiu desvantagem: “Desde que entrei para os negócios da família, estava concentrada em aprender e proteger a empresa. Talvez até tenha recebido apoio por ser uma minoria. Além disso, a atenção da mídia certamente ajudou.”
Hoje, seu saquê é distribuído em mais de 20 estados dos EUA. Monica Samuels, diretora de saquê e destilados da Vine Connections (importadora dos produtos de Imada) e também nomeada “samurai do saquê” pela Associação de Produtores de Saquê do Japão, afirma: “Miho é inspiradora. Ela vive sua paixão sem se prender às expectativas sociais. Às vezes, acho que ela não percebe o quanto é referência para outras mulheres que desejam seguir suas carreiras com liberdade.”
Imada observa uma transformação no público: “Quando me formei, quase todos os convidados em eventos de degustação eram homens. Hoje, vemos muito mais mulheres. Isso tem influenciado o surgimento de saquês com estilos diversos, pensados também para esse novo público. Mas ainda precisamos avançar. A presença feminina na produção pode revitalizar toda a indústria.”
Segundo Shuso Imada, gerente-geral do JSS Information Center, o braço de marketing da Associação de Fabricantes de Saquê e Shochu do Japão, a presença de mulheres no setor pode ajudar a quebrar a imagem conservadora da indústria. “Trabalhadoras talentosas e criativas podem inspirar seus colegas homens e renovar a tradição.”
Com o consumo de saquê em declínio desde seu pico em 1973, a indústria precisa se reinventar. O número de fabricantes caiu de cerca de 4.000 para 1.200, e a escassez de mão-de-obra é um desafio sério, já que a produção tradicional exige tempo, força e dedicação. Além disso, o mercado está cada vez mais competitivo, com vinhos, cervejas artesanais e destilados nacionais e importados em alta.
Nesse contexto, envolver mais mulheres na produção não é apenas uma questão de justiça: é uma necessidade para o futuro da tradição.