Entre a Dor e o Sucesso: O Desafio de Mulheres com Endometriose no Trabalho

Compartilhe este conteúdo:

Shannon Cohn, diretora do documentário Below the Belt, revela como a doença compromete a produtividade e impacta oportunidades profissionais

Imagine perder, em média, seis horas de produtividade por semana no trabalho devido a dores incapacitantes. Essa é a realidade de milhões de mulheres que convivem com a endometriose, uma condição inflamatória crônica que afeta 1 em cada 10 mulheres no mundo e atinge cerca de 8 milhões de brasileiras, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para muitas delas, os desafios vão além do sofrimento físico. Estigma, falta de compreensão no ambiente corporativo e insegurança profissional fazem parte da rotina. No Reino Unido, por exemplo, 1 em cada 6 mulheres com endometriose já perdeu pelo menos um emprego devido à doença, enquanto 40% temem ser demitidas e 27% já recusaram uma promoção por conta da condição.

Essa dura realidade foi o que motivou a cineasta Shannon Cohn a produzir o documentário Below the Belt, que expõe os impactos da endometriose na vida e na carreira das mulheres. Com produção executiva da ex-secretária de Estado Hillary Clinton e das atrizes Rosario Dawson, Mae Whitman e Corinne Foxx, o filme estreou no icônico Metropolitan Museum of Art, nos Estados Unidos, antes de ser exibido no Brasil.

Cohn, que também dirigiu o premiado documentário Endo What?, conversou com a Forbes sobre sua experiência pessoal com a endometriose e sobre como os ambientes de trabalho podem – e devem – ser mais acolhedores para mulheres que enfrentam essa condição.

“Eu só queria ser normal”

Forbes: Como ser portadora de endometriose impactou a forma como você retrata a doença no documentário?
Shannon Cohn: Quando você vive algo na pele, sabe contar a história real por trás. Eu me reconheço em todas as mulheres que retratei no documentário. Já corri para o pronto-socorro e fui mandada para casa com analgésicos. Passei anos peregrinando por médicos até receber um diagnóstico. Sofri com infertilidade e abortos espontâneos. E, por muito tempo, ouvi que minha dor era “normal” e que eu só precisava “aguentar firme”.

F: De que maneira a endometriose afetou sua carreira?
SC: Eu me perguntava o tempo todo: “Por que para mim é tão difícil ser normal?”. Antes de me tornar cineasta, eu trabalhava como advogada em um ambiente altamente competitivo. Precisei criar estratégias para lidar com os sintomas sem comprometer minha carreira. Meu pensamento era sempre: “Na próxima semana minhas dores vão piorar, então preciso trabalhar dobrado agora para compensar os dias improdutivos que virão”.

O impacto silencioso da endometriose no mercado de trabalho

A endometriose vai muito além da dor física. Ela tem um custo social e econômico gigantesco. Só nos Estados Unidos, a doença gera uma perda de US$ 116 bilhões por ano devido à redução da produtividade e ao custo dos tratamentos médicos.

Para as mulheres, os impactos vão desde a falta de compreensão dos empregadores até a dificuldade em manter um emprego estável. Em muitos casos, elas precisam escolher entre suas carreiras e sua saúde, pois o cansaço extremo e as crises de dor tornam insustentável a rotina de trabalho convencional.

“As pessoas falam sobre a endometriose como um problema médico, mas quase ninguém discute o estigma social, o impacto financeiro e a falta de acesso a tratamentos de qualidade. E isso é fundamental.” – Shannon Cohn

As empresas precisam falar sobre endometriose

F: Como as empresas têm lidado com a endometriose no ambiente de trabalho?
SC: Elas quase não falam sobre isso. Com o documentário, queremos aumentar a consciência sobre o problema. Antes de criar políticas específicas, as empresas precisam reconhecer que há um problema real. Países como Espanha, Reino Unido e Austrália já começam a implementar licenças menstruais para mulheres que sofrem de dores incapacitantes. Esse tipo de iniciativa é um passo importante para que mulheres com endometriose tenham melhores condições de trabalho.

F: Como a endometriose deve ser abordada nas empresas?
SC: Infelizmente, para que a conversa avance, precisamos explicar a endometriose em termos que os homens entendam. Estudos já comprovaram que as dores causadas pela doença podem ser tão intensas quanto um ataque cardíaco. Além disso, quando mostramos o impacto econômico – como as horas de produtividade perdidas e os bilhões de dólares que a doença custa às empresas – conseguimos chamar mais atenção para o tema.

Esse é um problema de equidade de gênero. Não se trata apenas de uma doença, mas de uma condição que limita as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho. Precisamos quebrar tabus e incluir questões como menstruação, endometriose e menopausa nas discussões corporativas.

Um passo além do “justo”

A luta pela visibilidade da endometriose no mercado de trabalho não é apenas sobre saúde, mas sobre direitos.

Se por um lado mulheres precisam de mais compreensão e apoio no ambiente corporativo, por outro, empresas que adotam políticas inclusivas tendem a reter talentos, aumentar a produtividade e reduzir custos relacionados à alta rotatividade e afastamentos médicos.

O que está em jogo não é apenas qualidade de vida – mas o reconhecimento de que ser mulher não deveria ser um obstáculo para o sucesso profissional.

“É hora de irmos além da conversa e começarmos a agir.” – Shannon Cohn

Compartilhe este conteúdo: