Imagine uma bactéria “do bem” capaz de devorar o plástico que polui os oceanos, ajudando a resolver um dos maiores problemas ambientais da atualidade. Ou, ainda, um microrganismo inteligente capaz de navegar pelo corpo humano para combater doenças como o câncer, entregando medicamentos diretamente nas células afetadas.
Essa visão de futuro está mais próxima graças ao trabalho da pesquisadora Daniela Bittencourt, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. Daniela colaborou com o renomado J. Craig Venter Institute (JCVI), nos Estados Unidos, no desenvolvimento de um microrganismo sintético inovador: o JCVI-syn3.A. Derivado da célula de menor genoma já criada em laboratório, a JCVI-syn3.0, o novo organismo é uma poderosa ferramenta para aplicações médicas, ambientais e industriais.
Segundo Daniela, essa célula mínima representa um marco para a ciência no Brasil. “Mostramos como a JCVI-syn3.A é versátil e robusta, ideal para investigar interações entre bactérias e células de mamíferos”, destaca. Seu desenvolvimento, realizado entre 2019 e 2021, envolveu um esforço colaborativo entre cientistas brasileiros e americanos, culminando na publicação de um artigo científico de grande impacto.
O que é a célula mínima JCVI-syn3.A?
A JCVI-syn3.A possui 19 genes a mais do que sua predecessora, a JCVI-syn3.0. Esses genes adicionais foram estrategicamente inseridos para garantir que a célula tivesse uma morfologia mais próxima de organismos naturais, facilitando sua manipulação em laboratório.
Criada a partir do genoma da bactéria Mycoplasma mycoides, essa célula mínima carrega apenas os genes essenciais para sua sobrevivência em ambientes controlados, tornando-a ideal para estudos de biologia sintética. Sua simplicidade permite explorar inúmeras aplicações, desde o desenvolvimento de bioinsumos agrícolas até soluções inovadoras em saúde.
Biologia sintética: o futuro nas mãos da ciência
De acordo com Daniela, a biologia sintética é a chave para desbloquear o potencial dessas tecnologias. “Podemos usar os mecanismos biológicos que conhecemos para criar organismos com funções específicas”, explica.
As possibilidades são vastas:
- Soluções ambientais: bactérias que degradam plásticos nos oceanos ou detectam contaminantes em água potável.
- Agricultura inteligente: microrganismos que fixam nutrientes no solo para potencializar o cultivo de plantas.
- Medicina de precisão: células capazes de transportar genes ou medicamentos diretamente para células afetadas por doenças.
A JCVI-syn3.A também mostrou resultados promissores em testes com neutrófilos humanos, um tipo de célula imune. Até o momento, a célula mínima não provocou respostas imunológicas adversas, o que abre caminho para o uso em vacinas e entrega de fármacos.
Parcerias e impacto global
O trabalho é parte do Laboratório de Biologia Sintética da Embrapa, conduzido em parceria com o INCT BioSyn (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Sintética), liderado pelo pesquisador Elibio Rech. “O INCT BioSyn colocou o Brasil no mapa mundial da biologia sintética”, afirma Daniela.
Graças à colaboração com o J. Craig Venter Institute, a Embrapa recebeu as células mínimas para conduzir pesquisas no Brasil, consolidando o país como um dos líderes nessa área emergente. Em 2022, a Embrapa devolveu à sociedade R$ 34,70 para cada R$ 1 investido, demonstrando o impacto econômico e social de suas inovações.
Impactos para o futuro
As pesquisas conduzidas por Daniela e sua equipe têm o potencial de transformar profundamente diversas indústrias. Desde a criação de bioinsumos agrícolas mais eficientes até soluções médicas que desafiam os limites da ciência atual, os avanços da biologia sintética prometem resolver problemas complexos de forma sustentável e inovadora.
“Estamos apenas começando a explorar o potencial dessas células. A ciência nos permite sonhar, mas, acima de tudo, nos dá as ferramentas para transformar esses sonhos em realidade”, conclui Daniela.